Salve!
Eu prometi que falaria dele mais cedo ou mais tarde, Raul de Santos
Seixas foi um cantor e compositor brasileiro e seu legado na sociedade
brasileira é tão impactante que hoje é chamado de “Pai do Rock Brasileiro”.
Raulzito, ao longo de seus 26 anos de carreira lançou 17 álbuns e em muitas
músicas, o artista acabava misturando gêneros, pegando referências de outros
compositores de sua época e sendo influenciado pelo estilo baião, típico no
Nordeste brasileiro.
Ele iniciou sua carreira na banda Os Panteras que lançou apenas um
disco, chamado Raulzito e os Panteras, os integrantes da banda haviam ido todos
ao Rio de Janeiro para gravar o álbum, mas no fim das contas, o disco não fez
sucesso e os membros do conjunto musical começaram a passar dificuldades no
Rio. Depois de ter voltado à Salvador, Raul recebe uma proposta da CBS para ser
produtor musical, proposta essa que ele aceita de imediato, e por isso, volta à
Cidade Maravilhosa, mais tarde, o artista ainda revelou que passava os dias em
Salvador lendo e estudando filosofia. Já na CBS, ele conhece diversos outros
compositores e em meio a vários projetos fracassados, Sérgio Sampaio convence
Raul a participar do Festival Internacional da Canção, e foi aí que sua
carreira realmente foi catapultada, principalmente por causa da música “Let Me
Sing, Let Me Sing”.
A partir daí, o Raulzito que todos estamos acostumados a ver, começou a
se formar, finalmente Raul começou a fazer sucesso com suas letras marcantes e
expressando suas ideias que viriam a marcar os brasileiros de todas as
gerações. Logo no início de sua carreira solo, o cantor compôs o álbum
“Krig-ha, Bandolo!” que tem os famosos hits Mosca na Sopa, Ouro de Tolo e a
música mais marcante do disco, Metamorfose Ambulante, que também já mostrava um
pouco das ideias de Raul e as ‘críticas’ que ele traria para a sociedade.
Durante alguns shows que ele fez após o lançamento desse disco, Raulzito
distribuía manifestos da chamada Sociedade Alternativa, que depois viraria nome
para uma das maiores músicas já escritas por ele, essa sociedade era como uma
filosofia do próprio Raul e do Paulo Coelho, tratando-se de uma organização
anarquista, na qual o ser humano poderia fazer o que quisesse dentro dessa
‘sociedade’. E todo esse conceito da sociedade alternativa, é uma das maiores
contribuições do Pai do Rock para nossa cultura, pois além de um compositor e
produtor, Raul Seixas também era fissurado em filosofia e sociologia, por isso
é tão interessante ver seus ideais sendo postos em prática, e o melhor exemplo
é essa sociedade. Por conta de toda a confusão causada pelo cantor e sua
filosofia, ele acabou sendo preso e exilado nos Estados Unidos, e isso mostra a
influência que ele tinha sobre a população.
Em 1988, um ano antes de sua morte, Raul participou de uma entrevista
explicando melhor o que havia ocorrido com ele no ano de 1974, quando ficou
exilado nos Estados Unidos. E ele conta que durante esse ano, o álbum Gita que
ele já havia gravado, estourou entre os brasileiros, e que até foi algo
inesperado por ele: “Já tinha deixado o LP Gita gravado e não sabia que ia
fazer sucesso sozinho. Não sabia que ia estourar. E ele estourou”. Por conta
desse sucesso de seu álbum ele foi autorizado a voltar ao Brasil, e foi
exatamente o que ele fez, depois posou para a capa do álbum com uma guitarra
vermelha e vestido de guerrilheiro, numa provocação à ditadura militar
brasileira que o forçou a viver nos EUA, e esse, se não for o maior álbum de
sua carreira, é um dos, com mais de 500 mil cópias vendidas, foi seu primeiro
álbum premiado com o Disco de Ouro.
Depois do lançamento de Gita, Raul compôs mais diversos álbuns, mas
nenhum chegou a fazer o sucesso que Gita fez, em 1975 por exemplo, ele lançou
Novo Aeon, que teve um número de vendas relativamente baixo. Porém, no ano
seguinte, era a vez de Há 10 Mil Anos Atrás, que ultrapassou o número de 100
mil cópias vendidas, além de ter sido muito elogiado pela crítica e conter duas
de suas maiores músicas, “Eu nasci há 10 mil anos atrás” e “Eu também vou
reclamar”, trazendo novamente à suas músicas aquele misticismo que tanto marcou
sua carreira. Depois ainda viriam seus dois álbuns mais famosos atrás de Gita,
um deles sendo intitulado Raul Seixas, e o outro Uah-Bap-Lu-Bap-Lah-Béin-Bum!,
estes discos que ficariam marcados como os últimos lampejos de Raul, em um
momento em que ele já estava lutando contra o alcoolismo e as drogas, mesmo
assim essas duas obras receberam o Disco de Ouro, assim como seu último
lançamento, A Panela do Diabo, que também teve um alto número de vendas e foi
lançado no ano de seu falecimento, em 1989.
O Maluco Beleza recebeu o apelido de Pai do Rock Brasileiro. Ele foi uma
pessoa muito influente na música brasileira de modo geral e até quem não
aprecia suas músicas sabe quem foi Raul Seixas, ainda foram feitos muitos
álbuns póstumos seus para que as pessoas sempre lembrem de Raul. E uma das
coisas mais interessantes de se pensar é que muito do sucesso do Raul, além das
músicas em si, claro, eram suas letras, que por muitas vezes tinham algum
significado por trás, mesmo que algumas tivessem isso de forma mais explícita
que outras. A Sociedade Alternativa por exemplo, é claramente uma referência à
própria sociedade alternativa de Raul e Paulo Coelho, porém, há também Cowboy
Fora da Lei, considerada última música de grande sucesso dele antes de sua
morte, a letra pode ser entendida como uma crítica ou uma reflexão sobre o
esforço que muitas pessoas fazem por conta da fama e se esse esforço no fim das
contas vale a pena. Algumas interpretações sugerem que Raul estaria falando de
Tancredo Neves, por conta do fim que levou o presidente que nem chegou a ficar
realmente no cargo, outras pessoas pensam que o compositor poderia estar
cantando sobre Jesus Cristo quando diz “morrer dependurado em uma cruz”, e por
aí vai, a letra da música constantemente reflete sobre esse esforço necessário
para virar um ‘ídolo’ e se ele realmente compensa, visto que diversas figuras
como Gandhi e John Lennon foram assassinadas, muito por conta da influência e
relevância que tinham. E para completar, ele ainda cita a imprensa como
manipuladora quando diz que não precisa ler jornais pois já sabe mentir
sozinho, dando a ideia de que os jornais mentem e assim manipulam a sociedade.
Falando em sociedade alternativa, esse é um dos ideais do Raul que mais
ficou marcado na cultura brasileira, até hoje, muitos fãs do cantor nem
conseguem explicar de forma clara o que é a Sociedade Alternativa, mas,
simplificando um pouco, diante de diversas declarações e produções artísticas
dá para perceber que se trata principalmente da liberdade, até porque essa
ideia em si gira em torno de uma organização anarquista. É preciso lembrar
também de Aleister Crowley, autor do Livro da Lei, e criador da doutrina
Thelema, pois foi nessa obra que Crowley escreveu a frase “Faze o que queres,
há de ser o todo da lei”, e que viria a ser mencionada na própria música de
Raul (“Faz o que tu queres / pois é tudo da lei”), para o autor, essa era a
regra principal que deveria reger o mundo, a Liberdade Absoluta, ou Lei de
Thelema. Além de Crowley, o escritor Paulo Coelho, foi a figura que mais
influenciou Raul quando se fala desse ocultismo e misticismo, no início da
década de 70, Paulo Coelho teve muito contato com o thelemita Marcelo Ramos da
Motta, e foi muito por conta dele, que Raul e Paulo passaram a conhecer essas
ideias de Crowley mais afundo, tanto é que muitas músicas de grande sucesso do
Raul, foram escritas junto de Paulo Coelho e Marcelo Ramos da Motta.
A Sociedade Alternativa em si foi criada no ano de 1973, a sede era o
próprio apartamento de Raul, mas a ideia dele e de Paulo era criar uma
comunidade em Minas Gerais para seus fãs, porém ela acabou não saindo do papel,
pois um ano depois, a dupla acabou sendo exilada nos Estados Unidos, na época
da Ditadura Militar. Os maiores fãs do Pai do Rock defendem a tese de que a
Sociedade nunca acabou, e a música, que acabou ficando marcada na cultura
brasileira, foi a maneira que Paulo Coelho e Raul Seixas encontraram de
disseminar esses ideais e principalmente, a própria sociedade.
Outro clube (ou ‘sociedade’) que é importante citar é o Raul Rock Club,
que recebeu, na década de 80, o posto de fã-clube oficial pelo próprio Raul
Seixas, e seu fundador, Sylvio Passos, que chegou a ser amigo de Raul desde
1981 até sua morte. E quando perguntado sobre o que o fez virar um fã do
Raulzito, ele respondia que gostava de suas composições pois era diferente de
tudo que tinha no Brasil naquela época, não somente as letras como também as
melodias, misturando o rock com o estilo do baião por exemplo.
Sylvio comenta também que Raul, por ter estudado bastante o campo da
filosofia e ter estado sempre antenado ao que estava acontecendo, conseguia
escrever músicas que ele sabia que ficariam marcadas na história, músicas que
se tornariam atemporais, pois ele enxergava coisas que ocorriam no momento
presente, mas que já haviam ocorrido no passado e que nada impedia elas de
ocorrerem no futuro também. “A forma que o Raul encontrava de dar sua visão de
mundo era reagindo a tudo que ele via, sentia e percebia”, completou.
Sobre a Sociedade Alternativa, Sylvio ressalta que ela acabou ficando
muito marcada justamente por conta da ideia e do conceito, já que ela se
assemelha a diversas outras comunidades hippies, e desse tipo de comunidade, o
Brasil já tem várias, então o que fez a Sociedade Alternativa se destacar em
meio às outras foi justamente, porque ela não saiu do papel, e ficou apenas na
teoria. Assim, as pessoas passaram a entender melhor a ideia proposta pela
Sociedade e por conta disso ela será eterna, pois é algo que existe dentro de
todo mundo, essa ideia de liberdade, de não aceitação e de querer mudanças está
presente em todo mundo.
Com as próprias palavras do Sylvio, “Eu tive o privilégio de não ser
apenas um fã do Raul, mas eu tive o privilégio de ser aluno do Raul. Eu costumo
dizer que eu tenho dois pais, meu pai biológico, que me trouxe para o mundo, e
meu pai intelectual, que é o Raul [...] eu fui aluno dele por oito anos, aí já
vai dar umas duas faculdades pelo menos né. Eu costumo dizer que se você ficasse
um minuto com o Raul, você teria história para contar pelo resto de sua vida,
agora imagina você convivendo oito anos com a pessoa, viagens, gravação de
shows, bebedeiras, festas, gravação de discos, programas de televisão, e eu era
um garoto, e tudo era um universo muito novo para mim. Eu nunca imaginei na
minha vida que um dia eu estaria ao lado de Raul Seixas, sendo amigo dele,
acompanhando ele em todos os processos da vida dele, desde o dia a dia, dentro
de casa, indo ao dentista, sendo internado... Eu fiz algumas músicas em
homenagem ao Raul, uma delas chama Meu Amigo Raul, que está no YouTube, outra
chama-se Um Blues para Raul, que eu já gravei com a minha banda, a Putos
Brothers Band, e a mais recente, foi lançada ano passado, chama Obrigado Raul,
nessas três músicas, eu conto muito da minha relação com o Raul”.
Outro ponto que mostra o legado que Raul deixou na nossa cultura é a
famosa expressão “Toca Raul”, mesmo alguém que nunca ouviu uma música do
artista, já ouviu outra pessoa dizendo isso. E essa frase ficou tão marcada que
incentivou a banda "Pedra Letícia", a escrever uma música chamada “Eu
não toco Raul”, e na letra, eles dizem que em todo bar que vão tocar, sempre
tem alguém que grita “toca Raul”. E esse é apenas mais um exemplo de como ele
ficou marcado na história do Brasil, um dos, se não o, maior cantor e
compositor nacional, de toda a história, Raul Seixas.
E parafraseando Raul eu termino aqui dizendo “Jamais
cometam a loucura de ser um sujeito normal.”
Dal libero stato di nessuno, ti
saluto, fino alla prossima volta. Ciao!